terça-feira, 30 de julho de 2013

Expedição Pico da Bandeira: Uma Experiência Divina

Há mais ou menos dois meses atrás, assistindo o programa "Terra de Minas",  da Rede Globo, revitalizei a vontade, "um sonho de viagem" que foi aguçada ainda na época da graduação, mas que por várias circunstâncias não havia se concretizado: Conhecer a Serra do Caparaó e subir ao Pico da Bandeira. 

Desejo aflorado, agora iniciaria o planejamento e a busca de companheiros desbravadores para esta empreitada. A época não poderia ser mais propícia: mês de julho, estação seca e férias escolares. Desta forma,  as tarefas iniciais foram facilmente cumpridas. Pela internet foi possível programar a data (Lua Cheia inclusive) e agendar o acampamento no Parque Nacional (uma vez que o número de visitantes é limitado). Quanto aos desbravadores a serem convocados para a missão, foi como "dar bananas aos macacos" ou como "botar lobos para tomarem conta de ovelhas". Convite certo de ser aceito (a não ser pelo Leleo que tinha pré-programado suas férias na praia, mas que acabou se rendendo a aventura). Pronto! Equipe formada: Eu, Ricardo (amigo da longínqua cidade de Pitangui e velho companheiro de acampamento), Leonardo e Fernando (meus irmãozinhos por opção).

Data marcada que atendesse a todos e início dos preparativos. O que levar para enfrentar o frio, o que levar para comer, para beber, como dormir de forma mais confortável possível, e a expectativa só aumentava para, além de tudo, conseguir aquela bela foto!

Fernando e eu: Serra do Cipó/ 2005
Durante as semanas que antecederam a viagem, relembramos antigas aventuras  e  lemos muitas dicas. Meus amiguinhos Leo e Fefê, dentes-de-leites na arte do acampamento (nomenclatura criada pelo Ricardo) aprendiam a como montar suas barracas, como evitar o congelamento dos dedos dos pés usando jornal e inclusive como "camuflar" os gorós, uma vez que é proibido seu consumo dentro do Parque.


Acompanhamos a previsão do tempo, fizemos listas de remédio e de higiene pessoal, programamos o custo com combustível, fizemos e desfizemos as mochilas para ver se tudo caberia (eu e o Fefê pelo menos), vestimos as roupas para testar a resistência ao frio, 
Experimentando os agasalhos
aprendemos a fazer uma lamparina com lata de sardinha usando o óleo. Aliás, a receita do macarrão com sardinha ao molho de tomate vai ficar para próxima né, Fernando? Enfim, nos preparamos para ficar dois dias sem banho, uma vez  que a parte mais fria do parque é a área de Camping,  mas que a coisa piora ao subir pro pico... isto nos inspirou a levar um termômetro e aguçar nossas habilidades de climatologistas discípulos de Ruibran Reis. 

Mochila Cargueira pronta 
para a aventura
Dentre as dicas, uma contribuição dada por mim, foi sobre a carga a ser levada considerando o peso de cada um: "Mais do que a quantidade de equipamento que vocês (Fernando Duarte e Leonardo Dias) pretendem carregar, vocês precisam saber o que aguentam carregar! Lembre-se que uma pessoa acostumada a trilhas e que esteja bem preparada fisicamente (tipo eu) deverá carregar, no máximo, 1/3 de seu peso. Pouco preparo (Ricardo Caldas)? Diminua para ¼. Sem preparo ou nenhuma experiência? 1/5 e não se fala mais nisso!" Piadinhas a parte, amo tudo isto!

No domingo, chegaram, para se juntar a mim na base inicial da expedição - João Monlevade, os três aventureiros. Regados à cerveja e rodadas de pizzas, os últimos detalhes foram acertados, inclusive o "amochilamento" da carga do Fernando, que insistia em subir com bolsas de viagem típico de sacoleiros do Paraguai. Adrenalizados e ansiosos fomos dormir à 1:00 para despertamos as 6:00, e assim foi...

Chegou a hora! Tudo pronto para embarcar no ONIROCO (sei lá se assim mesmo que o Ricardo chama sua carruagem).
Partindo pro Caparaó

Depois de uma parada rápida para o café da manhã e outra mais rápida ainda na estrada, chegamos na cidade de Alto Caparaó por volta das 10 horas da manhã. 
Como bons geógrafos, fizemos um reconhecimento da cidade e fomos para um ponto de referência (Pousada Bezerra) para almoçarmos e começarmos de verdade nossa aventura.


Parada pro abastecimento
Entrada do Parque Nacional do Caparaó
O início de nossa jornada!!!
Os 500 mts iniciais
Começamos a trilhar por volta das 13 horas, e confesso: logo nos primeiros metros já percebia que a missão não seria nada fácil. A cada passo naquela trilha bastante irregular, a mochila parecia pesar mais. Além da dificuldade inerente à caminhada, o tropeiro que comi começou a bater forte. Precisei deixar parte de mim por lá, mas vou resumir a isto sobre minha experiência íntima com a natureza e com a Serra de Caparaó (kkk fotos também são impublicáveis né, Leleo? kkk).
Característica da trilha bem variada



















Depois de algumas paradas pro descanso, de várias fotografias,  de algumas barrinhas de cereais degustadas e litros de águas consumidas...

Flora local: Sempre-Viva
Detalhe das pilhas de pedras: Não sei o significado disto, mas, por duvida,  fiz a minha também.

Ainda falta muito para chegar???


Pausa pra fotos!


Água limpa e fresca!!!
 

 
chegamos ao TERREIRÃO!!! Este lugar é a nossa última parada antes da nossa empreitada rumo ao Pico da Bandeira.


Barracas montadas, ainda me atrevi a tomar um banho. Na realidade, precisava deste banho, pois meu "contato direto" com a Mãe- Natureza, quilômetros atrás, associado com a suadeira da caminhada, não me fizera muito bem. Banho com água congelante tomado, agora é hora de prosear e preparar o "Sopão" do Tio Cleclé. O Ricardinho, com seus apetrechos quase bizarros, não experimentou, mas quem provou... aprovou!!! 





Rango na lenha... ou melhor, no álcool (que não pega fogo!) podemos vislumbrar o pôr do Sol do Alto Caparaó.





Nossas barracas já sombreadas... 
E que venha o frio!!!

O frio começa apertar! Uma blusa apenas não dá mais... mas a prosa, a ocasião, o reencontro, o luar (ah que belissíma Lua!!!) e a expectativa de atingir o pico não nos deixa ir dormir... amo tudo isto também... velhos amigos, piadas repetidas, reclamações e desabafos comuns, mas o momento é único! E que venha o frio... nesta hora, que não passava das 19:00, a temperatura já atingia 10ºC... whisky e conhaque ajudam no programa de Índio... amo cada vez mais tudo isto!!!



La Bella Luna!!


6 ºC Foto: Fernando Duarte
Bom... o frio no relento está quase insuportável e teríamos que acordar muito, muito, muito cedo. De acordo com a proposta, de ver o Sol nascer no Pico da Bandeira por volta das 5:30, a caminhada daria início às 2:30, então, querendo ou não, tínhamos que repousar. Fizemos isto por volta das 21:00. O Leo e o Ricardo disputando quem roncava mais, nem possibilitava ouvir o Som da Natureza. Eu optei, então, por ouvir Maurício Baia. Algumas mexidas pra um lado e para outro, a grande hora chegou! Às 2:00 já começava a me despertar. A ânsia não me deixou dormir direito... era hora de acordar meus amiguinhos aventureiros para partir. "- Ôh Fefê... ooooh Fefê..." foram minhas primeiras palavras neste dia tão especial!

O Fernando, resmungando, acordou... logo ele também chamava pelo Ricardo, e este pelo Leleo. 

Neste momento, ainda meio atordoado de sono, só tentava vestir todas as 4 blusas, 2 calças, 2 meiões e uma meia, 2 gorros, 2 luvas e um cachecol... parece exagero, mas o frio era muito!!!

Por volta das 3:00 estávamos todos de pé e prontos para nossa jornada final. Meu humor não era lá aquelas coisas... aliás naquele frio, ninguém mesmo estaria muito feliz! Mas bora lá!!!

Da caminhada, de madrugada, não tenho muitos registros fotográficos por dois motivos: 
1º) Estava frio caramba para conseguir tirar a mão dos bolsos e;
2º) Apesar do Luar, estava muito escuro e precisaria de flash, mas as baterias da câmera estavam por acabar.

O percurso foi mais tranquilo do que imaginei. A canseira que o trecho entre a Tronqueira e o Terreirão nos deu, pelo peso das mochilas, foi maior que a subida para o Pico.  A luz do luar ajudou muito, a marcação da trilha é muito bem feita. Fizemos poucas paradas para descanso. 

O pior mesmo foi ter afundado o pé direito numa poça d'água. Mesmo com um calçado de couro e três meias, a água me gelou. Na nossa última parada, suplicando por quem passava por um jornal para secar o calçado e aquecer o pé, consegui arrumar uma sacola que, como paliativo, isolaria meu pé do calçado pelo menos.

Neste momento já batiam 5 badaladas do dia 23 e era hora de acabar de chegar ao pico... e é hora também de fotografar, na penumbra, a bela paisagem que nos cerca.



Morro acima, faltava muito pouco... mas ventava muito... a sensação térmica, explicava para o Ricardo: "é isto!!!  Frio para &*%$#*!!!"

A chegada ao Pico da Bandeira é algo inexplicável!!! Simplesmente ter chegado lá, já é uma vitória. Aqueles que já estão, vão motivando aqueles que estão à dois metros para alcançar o cume. O astral é supremo e de superação. O vento parece ficar cada vez mais intenso e gélido.

Mesmo com os pés gelados e aflito com frio, o entusiamo me faz começar a fotografar. Depois do parto do Henrique, são as fotografias mais desejadas que faço. 

Nem vou tentar descrever a visão que conseguimos ter do alvorecer... o ditado diz: “uma imagem vale mais que mil palavras”... vai aí algumas imagens então, e mesmo assim não são capazes de suscitar nem 10% do entusiasmo que sentimos em ver este fenômeno ao vivo.

A Lua vai se despedindo


E Ele chegou!!! Nesta hora, as pontas de meus dedos pareciam estar congelada, não tinha sensibilidade nenhuma e precisa regular a máquina fotográfica!!! 
Conseguimos!!! 
Depois do Sol despontar e “firmar” no céu, depois de tanta euforia, é hora de vislumbrar ainda mais a paisagem do 3º pico mais alto do Brasil!!! Adoro fotografias e, apesar de não ser um estudioso desta arte, sei que a luz da manhã e do entardecer são as melhores para tal. Então, vamos aproveitar...























Já eram umas 7:30, hora de partir... o Sol brilha tão intensamente, que apesar dos ventos, já esquenta a pele... 

Meus pés, ainda molhado, não incomodam tanto, o corpo começa a pedir menos blusas e com uma hora e meia chegamos ao Terreirão.






Nossa programação inicial era de ficar mais um dia, conhecer ao redor, desbravar trilhas e cachoeiras, mas o corpo já sentia necessidade de banho quente e de uma cama confortável. Por mim, meus companheiros de aventura sabem disto, eu ficava, mas resolvemos mesmo descer.
Começamos a desmontar acampamento e já doía pensar a descida com as mochilas. Eu já previa mais de 15 dias com o joelho arrebentado até que... passa o rapaz com as mulinhas... elas podiam ter subido com nossas mochilas, mas a empolgação da aventura não nos deixou pensar nesta possibilidade. Agora, com sangue frio e, principalmente costas doendo, veio ao nosso olhar a salvação!

Descendo com menos carga e mais feliz, podemos apreciar melhor a beleza da paisagem da Serra da Caparaó. 







E a natureza ainda guardava mais um dos seus encantos para o final da trilha

Mulinhas: A Salvação!!
Com 1:20 descemos todo o percurso, tendo tempo ainda pra dar uma espreguiçada em bancos de madeira nos quiosques da Tronqueira e esperar as mulinhas com nossas bagagens...



Voltamos à Pousada Bezerra para tomar um belo banho e almoçarmos. 


Alguns dormiram no caminho até chegarmos em Monlevade.
Descanso do Guerreiros

Não sei o quanto meus amigos de expedição estavam empolgados, nem sei o quanto esta viagem foi importante para eles. Talvez eles façam aventuras muito mais selvagens ou requintadas. Talvez nunca voltem ao Pico da Bandeira ou talvez voltem com muito mais fôlego. Talvez voltem comigo ou talvez eu volte sem eles. Talvez meu filho vá comigo, ou talvez apenas nossos filhos irão. Não tenho muitas certezas... A única que tenho é que este momento foi único e inigualável. Conseguimos depois de quase 10 anos de formados, juntarmos debaixo de um céu límpido, de uma grandiosa Lua cheia, chegar ao Pico da Bandeira. Para mim, ter conseguido a façanha que poucos conseguem, ao lado de grandes (e verdadeiros) amigos não há FELICIDADE maior. Parafraseando o meu amigo Leleo: "Todo o desgaste que tivemos valeu a pena quando nos deparamos com essa paisagem que apenas um seleto grupo de pessoas irá presenciar."

Despeço-me agradecendo o companheirismo de vocês três, Leonardo Dias, Fernando Duarte e Ricardo Caldas. Espero, QUERIDOS COMPANHEIROS EXPEDICIONÁRIOS, que tenhamos mais momentos assim! Que o sangue do verdadeiro geógrafo faça valer mais que o ar condicionado do geógrafo de escritório.   Amo tudo isto!!!